segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"VEJO UMA REGRESSÃO AO MOMENTO DO "TROPA I" - DIZ LUIZ EDUARDO SOARES AO ESTADÃO



Como o senhor avalia a operação de ontem no Alemão?

O trabalho está sendo feito com prudência e teve resultados positivos. O fato de parte dos suspeitos ter fugido diluiu a resistência e evitou um banho de sangue. A chegada do Estado ao complexo abre espaço para o avanço de políticas sociais que estavam sendo preparadas. Por outro lado, pode frustrar parte da opinião pública que esperava uma batalha final, uma espécie de desembarque na Normandia. E isso porque o tom da cobertura está equivocado.

Como o sr. avalia a cobertura?

O que mais me chocou foi o tom triunfalista nas TVs e revistas. Um dia de cão como quinta-feira apareceu como um dia histórico, de vitórias e grandes conquistas. As imagens, chocantes, contradiziam esse discurso. Mostravam as polícias entrando na Vila Cruzeiro e completavam: "Ninguém foi preso". A polícia não existe no Rio e tem sido parceira e sócia do crime. Não fosse esse apoio, o tráfico não teria alcançado o patamar atual. A banda podre é uma orquestra. É urgente reformá-la.

O sr. acha que existe um efeito pós-Tropa de Elite na forma como as pessoas estão assistindo a essas cenas?

Sinto uma regressão ao Tropa de Elite 1. O filme que agora está sendo projetado na cabeça da população é o primeiro. Era o momento de confronto entre polícia e tráfico, com o protagonismo do Bope e toda a polaridade entre bem e mal. Já o Tropa 2 é mais amargo, difícil de digerir porque traz questões mais complexas, mostra que o verdadeiro problema é outro.

Parece estranho ver o oficial que inspirou o Capitão Nascimento, Rodrigo Pimentel, também seu parceiro nos livros, comentando as ações do Bope diariamente. Como o senhor vê o desempenho dele?

O Pimentel, quando era policial, teve uma trajetória lúcida, crítica, e sempre se preocupou em refletir sobre a polícia. Por ser crítico e eloquente, acabou tendo a carreira trincada, foi preso e punido, situação que o conduziu a outro caminho na vida civil. Mas é natural que ele tenha o coração dividido porque tem amigos no Bope e há algo do caveira que continua. Afinal, ele passou por todos aqueles ritos de passagem. De um lado, há o espírito crítico; de outro, a identificação com sua própria trajetória. Isso pode contaminar as opiniões dele. Mas muito menos que os limites que a própria emissora estabelece por meio de sua linha editorial.

As questões essenciais estão passando ao largo?

Mais que passar ao largo, está havendo uma inversão das prioridades. Nós, em geral, pensamos pelo filtro do bem e do mal, do maniqueísmo mais simples, os mocinhos como oponentes dos bandidos, que seriam os maus. De um lado os policiais, de outro os traficantes. Ocorre que, no dia a dia, ao longo desse processo, essa distinção não existe. O tráfico tem essa dimensão por causa do apoio da polícia, que domina comunidades por meio das milícias.

Luiz Eduardo Soares - Antropólogo, ex-secretário Nacional de Segurança, coautor dos livros Cabeça de Porco, Espírito Santo e Elite da Tropa 1 e 2, base para os filmes da série "Tropa"







sexta-feira, 26 de novembro de 2010

LUIZ EDUARDO SOARES A CRISE NO RIO E O PASTICHE MIDIÁTICO

Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando as divergências são muitas e profundas, procuro compreender e buscar bases de um consenso mínimo, para que o diálogo não se inviabilize. Faço-o por ética supondo que ninguém seja dono da verdade, muito menos eu--, na esperança de que o mesmo procedimento seja adotado pelo interlocutor. Além disso, me esforço por atender aos que me procuram, porque sei que atuam sob pressão, exaustivamente, premidos pelo tempo e por pautas urgentes. A pressa se intensifica nas crises, por motivos óbvios. Costumo dizer que só nós, da segurança pública (em meu caso, quando ocupava posições na área da gestão pública da segurança), os médicos e o pessoal da Defesa Civil, trabalhamos tanto ou sob tanta pressão-- quanto os jornalistas.

Digo isso para explicar por que, na crise atual, tenho recusado convites para falar e colaborar com a mídia:

(1) Recebi muitos telefonemas, recados e mensagens. As chamadas são contínuas, a tal ponto que não me restou alternativa a desligar o celular. Ao todo, nesses dias, foram mais de cem pedidos de entrevistas ou declarações. Nem que eu contasse com uma equipe de secretários, teria como responder a todos e muito menos como atendê-los. Por isso, aproveito a oportunidade para desculpar-me. Creiam, não se trata de descortesia ou desapreço pelos repórteres, produtores ou entrevistadores que me procuraram.

(2) Além disso, não tenho informações de bastidor que mereçam divulgação. Por outro lado, não faria sentido jogar pelo ralo a credibilidade que construí ao longo da vida. E isso poderia acontecer se eu aceitasse aparecer na TV, no rádio ou nos jornais, glosando os discursos oficiais que estão sendo difundidos, declamando platitudes, reproduzindo o senso comum pleno de preconceitos, ou divagando em torno de especulações. A situação é muito grave e não admite leviandades. Portanto, só faria sentido falar se fosse para contribuir de modo eficaz para o entendimento mais amplo e profundo da realidade que vivemos. Como fazê-lo em alguns parcos minutos, entrecortados por intervenções de locutores e debatedores? Como fazê-lo no contexto em que todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido em uma palavra, banido--, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial?

(3) Por fim, não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises. Na crise, as perguntas recorrentes são: (a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a explosão de violência? (b) O que a polícia deveria fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas? (c) Por que o governo não chama o Exército? (d) A imagem internacional do Rio foi maculada? (e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?

Ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos, me tornei as aspas que ajudaram a legitimar inúmeras reportagens. No tópico, especialistas, lá estava eu, tentando, com alguns colegas, furar o bloqueio à afirmação de uma perspectiva um pouquinho menos trivial e imediatista. Muitas dessas reportagens, por sua excelente qualidade, prescindiriam de minhas aspas nesses casos, reduzi-me a recurso ocioso, mera formalidade das regras jornalísticas. Outras, nem com todas as aspas do mundo se sustentariam. Pois bem, acho que já fui ou proporcionei aspas o suficiente. Esse código jornalístico, com as exceções de praxe, não funciona, quando o tema tratado é complexo, pouco conhecido e, por sua natureza, rebelde ao modelo de explicação corrente. Modelo que não nasceu na mídia, mas que orienta as visões aí predominantes. Particularmente, não gostaria de continuar a ser cúmplice involuntário de sua contínua reprodução.

Eis por que as perguntas mencionadas são expressivas do pobre modelo explicativo corrente e por que devem ser consideradas obstáculos ao conhecimento e réplicas de hábitos mentais refratários às mudanças inadiáveis. Respondo sem a elegância que a presença de um entrevistador exigiria. Serei, por assim dizer, curto e grosso, aproveitando-me do expediente discursivo aqui adotado, em que sou eu mesmo o formulador das questões a desconstruir. Eis as respostas, na sequência das perguntas, que repito para facilitar a leitura:

(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a violência e resolver o desafio da insegurança?

Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Quando se está na crise, usam-se os instrumentos disponíveis e os procedimentos conhecidos para conter os sintomas e salvar o paciente. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI, tomado por uma enfermidade letal, apresentando um quadro agudo. Nessa hora, parte-se para medidas extremas, de desespero, mobilizando-se o canivete e o açougueiro, sem anestesia e assepsia. Nessa hora, o cardiologista abre o tórax do moribundo na maca, no corredor. Não há como construir um novo hospital, decente, eficiente, nem para formar especialistas, nem para prevenir epidemias, nem para adotar procedimentos que evitem o agravamento da patologia. Por isso, o primeiro passo para evitar que a situação se repita é trocar a pergunta. O foco capaz de ajudar a mudar a realidade é aquele apontado por outra pergunta: o que fazer para aperfeiçoar a segurança pública, no Rio e no Brasil, evitando a violência de todos os dias, assim como sua intensificação, expressa nas sucessivas crises?

Se o entrevistador imaginário interpelar o respondente, afirmando que a sociedade exige uma resposta imediata, precisa de uma ação emergencial e não aceita nenhuma abordagem que não produza efeitos práticos imediatos, a melhor resposta seria: caro amigo, sua atitude representa, exatamente, a postura que tem impedido avanços consistentes na segurança pública. Se a sociedade, a mídia e os governos continuarem se recusando a pensar e abordar o problema em profundidade e extensão, como um fenômeno multidimensional a requerer enfrentamento sistêmico, ou seja, se prosseguirmos nos recusando, enquanto Nação, a tratar do problema na perspectiva do médio e do longo prazos, nos condenaremos às crises, cada vez mais dramáticas, para as quais não há soluções mágicas.

A melhor resposta à emergência é começar a se movimentar na direção da reconstrução das condições geradoras da situação emergencial. Quanto ao imediato, não há espaço para nada senão o disponível, acessível, conhecido, que se aplica com maior ou menor destreza, reduzindo-se danos e prolongando-se a vida em risco.

A pergunta é obtusa e obscurantista, cúmplice da ignorância e da apatia.

(b) O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?

Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos arregos celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.

Ou seja, a polaridade referida na pergunta (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la isto é, separar bandido e polícia; distinguir crime e polícia-- teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes. E só por isso que ainda existe tráfico armado, assim como as milícias.

Não digo isso para ofender os policiais ou as instituições. Não generalizo. Pelo contrário, sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam, estóica e heroicamente, suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha, os humilha, os ameaça e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.

Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção. É excessivamente custoso impor-se sobre um território e uma população, sobretudo na medida que os jovens mais vulneráveis ao recrutamento comecem a vislumbrar e encontrar alternativas. Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica. Em outras palavras, é melhor, mais fácil e lucrativo praticar o negócio das drogas ilícitas como se fosse contrabando ou pirataria do que fazer a guerra. Convenhamos, também é muito menos danoso para a sociedade, por óbvio.

(c) O Exército deveria participar?

Fazendo o trabalho policial, não, pois não existe para isso, não é treinado para isso, nem está equipado para isso. Mas deve, sim, participar. A começar cumprindo sua função de controlar os fluxos das armas no país. Isso resolveria o maior dos problemas: as armas ilegais passando, tranquilamente, de mão em mão, com as benções, a mediação e o estímulo da banda podre das polícias.

E não só o Exército. Também a Marinha, formando uma Guarda Costeira com foco no controle de armas transportadas como cargas clandestinas ou despejadas na baía e nos portos. Assim como a Aeronáutica, identificando e destruindo pistas de pouso clandestinas, controlando o espaço aéreo e apoiando a PF na fiscalização das cargas nos aeroportos.

Claro. Mais uma vez.

Sem dúvida. Somos ótimos em eventos. Nesses momentos, aparece dinheiro, surge o espírito cooperativo, ações racionais e planejadas impõem-se. Nosso calcanhar de Aquiles é a rotina. Copa e Olimpíadas serão um sucesso. O problema é o dia a dia.

Palavras Finais

Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável. E não porque existem as UPPs, mas porque correspondem a um modelo insustentável, economicamente, assim como social e politicamente. As UPPs, vale dizer mais uma vez, são um ótimo programa, que reedita com mais apoio político e fôlego administrativo o programa Mutirões pela Paz, que implantei com uma equipe em 1999, e que acabou soterrado pela política com p minúsculo, quando fui exonerado, em 2000, ainda que tenha sido ressuscitado, graças à liderança e à competência raras do ten.cel. Carballo Blanco, com o título GPAE, como reação à derrocada que se seguiu à minha saída do governo. A despeito de suas virtudes, valorizadas pela presença de Ricardo Henriques na secretaria estadual de assistência social --um dos melhores gestores do país--, elas não terão futuro se as polícias não forem profundamente transformadas. Afinal, para tornarem-se política pública terão de incluir duas qualidades indispensáveis: escala e sustentatibilidade, ou seja, terão de ser assumidas, na esfera da segurança, pela PM. Contudo, entregar as UPPs à condução da PM seria condená-las à liquidação, dada a degradação institucional já referida.

O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia, vale reiterar. Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios as bandas podres das polícias-- prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?

As polícias são instituições absolutamente fundamentais para o Estado democrático de direito. Cumpre-lhes garantir, na prática, os direitos e as liberdades estipulados na Constituição. Sobretudo, cumpre-lhes proteger a vida e a estabilidade das expectativas positivas relativamente à sociabilidade cooperativa e à vigência da legalidade e da justiça. A despeito de sua importância, essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea. O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável. Ineptas para identificar erros, as polícias condenam-se a repeti-los.

Elas são rígidas onde teriam de ser plásticas, flexíveis e descentralizadas; e são frouxas e anárquicas, onde deveriam ser rigorosas. Cada uma delas, a PM e a Polícia Civil, são duas instituições: oficiais e não-oficiais; delegados e não-delegados.

E nesse quadro, a PEC-300 é varrida do mapa no Congresso pelos governadores, que pagam aos policiais salários insuficientes, empurrando-os ao segundo emprego na segurança privada informal e ilegal.

Uma das fontes da degradação institucional das polícias é o que denomino "gato orçamentário", esse casamento perverso entre o Estado e a ilegalidade: para evitar o colapso do orçamento público na área de segurança, as autoridades toleram o bico dos policiais em segurança privada. Ao fazê-lo, deixam de fiscalizar dinâmicas benignas (em termos, pois sempre há graves problemas daí decorrentes), nas quais policiais honestos apenas buscam sobreviver dignamente, apesar da ilegalidade de seu segundo emprego, mas também dinâmicas malignas: aquelas em que policiais corruptos provocam a insegurança para vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo em grupos de extermínio; e, no limite, organizam-se como máfias ou milícias, dominando pelo terror populações e territórios. Ou se resolve esse gargalo (pagando o suficiente e fiscalizando a segurança privada /banindo a informal e ilegal; ou legalizando e disciplinando, e fiscalizando o bico), ou não faz sentido buscar aprimorar as polícias.

O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas.

Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro à farsa.

Luiz Eduardo Soares é professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Tem pós-doutorado em Filosofia Política e foi secretário nacional de Segurança Pública (2003). É autor, entre outros livros, de Elite da tropa, com André Batista e Rodrigo Pimentel (Objetiva, 2006).

Confira o blog luizeduardosoares.blogspot.com/

Autor: Luiz Eduardo Soares

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

PRESÍDIOS, CAOS, DROGAS E REBELIÕES

Até 80% dos presos fumam crack

Luciano Losekann, coordenador do Conselho Nacional de Justiça
Felipe Recondo / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

As duas rebeliões em presídios do Maranhão e do Amazonas, com 21 mortos, expuseram (mais uma vez) a real situação do sistema carcerário brasileiro. O diagnóstico que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou a fazer em 2008 e confirmou em praticamente todos os Estados é: superlotação, más condições, demora nos julgamentos, tráfico de drogas e violência dentro dos presídios. O que aconteceu nessas duas cadeias nesta semana não é exceção. Ao contrário, todo o sistema carcerário corre o mesmo risco. E as ameaças aumentam com o tráfico de drogas em profusão, em especial crack, nos presídios, afirma ao Estado o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, Luciano Losekann.

O que aconteceu no presídio de Pedrinhas (MA) é caso isolado?

Isso, infelizmente, tem se tornado regra. O problema da superlotação causa a ausência de um tratamento penal. O preso é simplesmente jogado no estabelecimento sem nenhuma atividade, sem tratamento psicológico ou psiquiátrico, sem qualquer tipo de trabalho.

E o que isso provoca?

Uma decorrência disso é que o tráfico de drogas está em profusão também dentro do sistema carcerário. Aquela noção de que o sujeito ficará isolado não é verdade. O traficante continua sua atividade dentro do presídio, às vezes com o beneplácito do Estado. (...) Isso se associa também à prática de tortura. O sujeito privado de liberdade, sendo torturado, sendo cooptado pelo tráfico, traficando lá dentro e sendo aliciado pelo crime organizado dentro do estabelecimento penal cria esse tipo de caldo de cultura para essas rebeliões.

Elas têm razão de ser. É isso?

Infelizmente, por vezes, sim. A rebelião resulta da desconformidade do preso com esse tipo de situação, que é realmente insuportável. É só nos colocarmos no lugar no apenado. Imagine você privado de liberdade, sendo cooptado e tendo de se submeter a isso aí.

Rebeliões como de Pedrinhas podem repetir-se?

Rebeliões podem repetir-se pela situação de negligência e descaso que vemos por parte dos Executivos estaduais em relação ao sistema penitenciário.

Por que os governos estaduais não investem no sistema?

A grande preocupação hoje das Secretarias de Segurança dos Estados é investir nas Polícias Civil e Militar. Mas esquecem a ponta do sistema de segurança pública que é o sistema penitenciário. Hoje, o sistema penitenciário é produtor de criminalidade. E sinceramente não vejo luz no fim do túnel enquanto a sociedade brasileira não debater seriamente seu sistema prisional. Estamos caminhando a passos largos para uma política de encarceramento adotada pelos Estados Unidos há 30 anos e não vamos ter presídios suficientes para toda a população carcerária. (...) Ou vamos intervir de forma muito clara e forte sobre o que queremos sobre política de segurança nessa área ou estamos fadados ao insucesso. Todas as políticas até agora não estão dando certo.

Por exemplo?

A política nacional antidrogas é um fracasso. Hoje, os filhos da classe média passaram a cumprir pena no nosso sistema carcerário. Eles começam a se viciar em crack e a cometer delitos leves que deságuam no roubo. São filhos de professores, psiquiatras, advogados, médicos. E a sociedade parece não estar preocupada com isso. Um problema que é de saúde pública acabou sendo judicializado.

Há uma mudança?

Não sei se posso falar que é positivo, mas a classe média, que nunca se preocupou com o sistema penitenciário, porque era coisa para pobre e marginal, começa a ser afetada. Essas famílias passaram a fazer um périplo pelas Varas de Execução Penal para falar com os juízes, porque começaram a se dar conta de que os filhos podem ir para esse sistema que não recupera ninguém.

E o Judiciário?

Os juízes estão impotentes para lidar com o tráfico. Não é apenas fora do sistema, dentro dos presídios é um caos. Hoje não temos como tratar essas pessoas lá dentro. Seguramente, de 50% a 80% da população carcerária, variando conforme o Estado, é viciada em crack, que circula livremente nas celas.

A prisão agrava esse vício?

É um erro se imaginar que ao prender o viciado o problema estará resolvido. Ao contrário, o problema será aumentado. (...) Temos uma bomba-relógio armada e pronta para estourar.

A política antidrogas não existe dentro do presídio?

Se a política nacional antidrogas fora do sistema é ruim, dentro dos presídios é duas vezes pior. Não existe tratamento nenhum. Temos uma lei que trata o usuário como problema de saúde pública, o que acho correto. Mas o problema de saúde pública foi transferido para a área de segurança pública, caindo na cloaca do sistema de justiça social que é o Poder Judiciário. Hoje temos dados de situações escandalosas. Pessoas que nunca tiveram o problema do vício passaram a se viciar em crack.

O que isso provoca?

Mais criminalidade. Porque esse sujeito vai procurar mais droga quando sair do sistema. O sistema é tão perverso que a família do preso hoje é refém do tráfico de drogas. Os familiares têm de levar celulares, facas. E quem não se submete a isso tem a família ameaçada ou é torturado dentro do presídio.

O comércio de drogas é volumoso dentro dos presídios?

Estima-se que no presídio central de Porto Alegre circulam por mês R$ 40 mil somente com tráfico de drogas. Isso é uma estimativa do que se trafica só ali dentro. Um fator preocupante que permite isso é o comprometimento de agentes penitenciários com o tráfico de drogas e armas.

Fonte: O Estado de São Paulo - 17/11/2010 - Notícias - São Paulo
Enviado por Ada Julieta Freire Calegaro - a Néca






terça-feira, 16 de novembro de 2010

D2 EM "NUMA CIDADE MUITO LONGE" SINTETIZA O DRAMA INDISSOCIÁVEL QUE ENVOLVE POLICIA E DELINQÜÊNCIA

Marcelo D2

Numa Cidade Muito Longe Daqui
É isso aí D2...o momento é de caos
A população tá bolada, muito bolada


Eu também tô bolado parceiro...

Numa cidade muito longe
Muito longe daqui
Que tem problemas que parecem
Os problemas daqui
Que tem favelas que parecem


As favelas daqui


Existem homens maus
Sem alma e sem coração
Existem homens da lei
Com determinação
Mas o momento é de caos
Porque a população
Na brincadeira sinistra
De polícia e ladrão


Não sabe ao certo quem é
Quem é herói ou vilão
Não sabe ao certo quem vai
Quem vem na contramão


É.. não sabe ao certo quem é


Quem é herói ou vilão
Não sabe ao certo quem vai
Quem vem na contramão


Porque tem homem mal
Que vira homem bom
Porque tem homem mal
Que vira homem bom


Quando ele compra o remédio
Quando ele banca o feijão
Quando ele tira pra dar
Quando ele dá proteção


Porque tem homem da lei
Que vira homem mal
Porque tem homem da lei
Que vira homem mal


Quando ele vem pra atirar
Quando ele caga no pau
Quando ele vem pra salvar
E sai matando geral


É parceiro..


E aí é que a chapa esquenta
É nessa hora que a gente vê quem é fiel
Mas tanto lá como cá
Ladrão que rouba ladrão


Não tem acerto ou pedido
Errou, errou...


Errou, não tem perdão
Quem fala muito é X-9
E desses a gente tem de montão
Mas o X do problema


Está na corrupção
Um dia, o bicho pegou
O coro comeu
Polícia e bandido bateram de frente,


E aí meu cumpadre


Aí tu sabe
Aí foi chapa quente, chapa quente...


Bateu de frente
Um bandido e um
Sub-tenente lá do batalhão
Foi tiro de lá e de cá


Balas perdidas no ar
Até que o silêncio gritou
Dois corpos no chão, que azar
Feridos na mesma ambulância


Uma dor de matar


Mesmo mantendo a distância
Não deu pra calar
Polícia e bandido trocaram farpas
Farpas que pareciam balas


E o bandido falou:


Você levou tanto dinheiro meu
Agora vem querendo me prender
E eu te avisei você não se escondeu
Deu no que deu


E a gente tá aqui
Pedindo a Deus pro corpo resistir


Será que ele tá afim de ouvir?
Você tem tanta basuca,
Pistola, fuzil e granada
Me diz pra que tu


Tem tanta munição?


É que além de vocês
Nós ainda enfrenta
Um outro comando, outra facção
Que só tem alemão sanguinário


Um bando de otário
Marrento, querendo mandar
Por isso que eu tô bolado assim
Eu também tô bolado sim


É que o judiciário tá todo comprado
E o legislativo tá financiado
E o pobre operário
Que joga seu voto no lixo


Não sei se por raiva
Ou só por capricho


Coloca a culpa de tudo
Nos homens do camburão
Eles colocam a culpa de tudo
Na população


{E o bandido...}
E se eu morrer vem outro em meu lugar
{Polícia...}
E se eu morrer vão me condecorar


E se eu morrer será que vão chorar?
E se eu morrer será que vão lembrar?
E se eu morrer... {já era}
E se eu morrer
E se eu morrer... {foi!}
E se eu morrer


Chega de ser sub-julgado
Sub-traído, sub-bandido de um sub-lugar
Sub-tenente de um sub-país,
Sub-infeliz, sub-infeliz.....


LaiálaiálaiálaiálaiáLaiálaiá
Sub-julgado, sub-traído,
Sub-bandido de um sub-lugar,
Sub-tenente de um sub-país,
Sub-infeliz...


Mas essa história
Eu volto a repetir
Aconteceu numa cidade
Muito longe daqui
Numa cidade muito longe

Muito longe daqui
Que tem favelas que parecem
As favelas daqui
Que tem problemas que parecem
Os problemas daqui


Daqui


Daqui


Daqui


É isso aí Sapucahy..


Polícia ou bandido?


Vai saber, né?