quarta-feira, 14 de abril de 2010

O FAMIGERADO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD) INSTRUMENTALIZADO DE FORMA GENERALIZADA NA PENITENCIÁRIA REGIONAL DE CAXIAS DO SUL

A juíza da Vara de Execuções Criminais em Caxias do Sul, Sonáli da Cruz Zluhan, discorda que o Penitenciária Regional de Caxias do Sul (Percs), na localidade de Apanhador, seja modelo, como definem os governos federal e estadual, que inauguraram a casa de dentenção no ano passado.

Segundo ela, o presídio que deveria ser modelo virou o mais temido pelos presos. Sonáli diz que o desvio do projeto original transformou a penitenciária em um pesadelo para os detentos. Falhas de segurança e falta de agentes penitenciários criaram um clima de tensão que pode ter favorecido a ocorrência de torturas, investigadas desde o final de semana e que motivaram o afastamento de agentes e do delegado regional do sistema carcerário.

Na entrevista a seguir, concedida ao jornal Zero Hora, a juíza afirma que novos problemas acontecerão se não fora achada uma solução:

Qual é o significado da ocorrência de fugas e de denúncias de tortura na Penitenciária Regional de Caxias, apontada como modelo pela Susepe?
Sonáli da Cruz Zluhan: Essa consideração da Susepe de ser uma penitenciária modelo é altamente questionável. Não sei modelo de que eles consideram. Não entendo isso até hoje. O preso está lá dentro fechado na cela por 22 horas, não existe trabalho prisional ali e há poucos agentes penitenciários. Os presos não têm direitos a nada do que foi planejado para aquela penitenciária — trabalho prisional, educação, área de convivência —, porque não tem agente suficiente para movimentar o preso lá dentro.

O problema é que o projeto não está sendo seguido?
Sonáli: Não foi implementado. O prédio é limpo e amplo. Mas o preso fica 22 horas na cela, não pode fumar e não tem tomadas nas celas, então não tem televisão e não houve rádio. Como o pátio não é murado e não tem agente, os presos vão de forma escalonada para o pátio, só uma hora por dia, e não podem fazer nada no pátio além de caminhar. O preso que vai para lá acha que está indo cumprir castigo. Tenho presos que vieram transferidos para a Pasc, o único no Estado com regime diferenciado, e eles acreditam que aqui é pior ainda que a Pasc, por terem de ficar confinados, de usar uniforme — o que não existe em nenhum outro presídio do Estado —, de usar chinelo de dedo no frio, por não poderem fumar e por não poderem fazer praticamente nada.

Então a penitenciária modelo é pior do que as outras?
Sonáli: Sim. Não tem preso que queira cumprir pena ali. Eles preferem em 12 em outro presídio do que em três ou quatro por cela aqui.

Essa situação colaborou para o episódio de tortura?
Sonáli: Aquele presídio tem um clima de tensão constante. São poucos agentes penitenciários, com a obrigação de impor essa disciplina. O preso está sempre testando e constantemente revoltado com isso. Imagina ficar 22 horas dentro da cela sem poder ver televisão nem ouvir rádio. É complicado. Então gera tensão constante. Sempre ocorre alguma coisa ali. Ali, por mais agentes penitenciários que se coloque, se não for flexibilizado o regime, não tem solução.

O que é necessário fazer?
Sonáli: Tem de dar trabalho, tem de dar estudo. Já que não podem fazer nada, os presos têm de ter alguma ocupação. Não é possível fazer isso sem ampliar o número de agentes. Diminuíram a movimentação de presos por causa disso, porque cada movimentação de presos é um risco. Teria de aumentar o número de agentes para implantar o que foi prevista, porque hoje não tem nada. Tiraram absolutamente tudo do preso e não deram nada em troca.

Que lição para o sistema prisional gaúcho se tiram dos fatos nessa penitenciária?
Sonáli: É um projeto que não funcionou porque não se colocou pessoal e porque se comprovou que a segurança era falha. Por exemplo, existe uma central de controle onde ficam os agentes penitenciários. Essa central tem contato direto com os três blocos das galerias. No primeiro momento, quando foi inaugurado, o agente não tinha proteção nenhuma, não havia um gradil que separasse. O projeto é totalmente falho, aí se começou a remendar. O projeto inicial tinha áreas de convivência, sala de estudo e refeitório para o preso. Era bastante arrojado. Mas tudo foi desativado em função da movimentação do preso. Seria um risco manter o preso no refeitório, então eles continuam a comer dentro da cela, sem talheres.

A tendência então é de que continuem a ocorrer problemas?
Sonáli: Vão ocorrer mais problemas. Hoje mesmo teve uma bateção durante dia. A situação está muito tensa.

O debate é bastante interessante, sobretudo tendo em vista a política penitenciária adotada pelo Governo Federal que, dentre outras medidas, prioriza o investimento de milhões na construção dos considerados "presídios modelos". Inspirados em experiências de outros países, tais estabelecimentos apostam pura e simplesmente na segregação e eliminação dos sujeitos encarcerados. Tudo isso, obviamente, em nome da "segurança".

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