quinta-feira, 26 de agosto de 2010

CRIMINALIZAÇÃO DO FUNK EM PORTO ALEGRE - CAPITULO II


“Alguém ia me ouvir”

Entrevista com Douglas de Souza Ribeiro, o MC DS de 19 anos que compôs o funk que provocou a operação BM na Vila Cruzeiro, na Capital, durante todo o final de semana. Douglas é o terceiro dos sete filhos que a doméstica Sueli de Souza, 47 anos, criou na Vila.
Com medo das represálias, ele saiu de casa. Disse que sua mãe e seus irmãos foram intimidados. O MC, que trabalha como carregador em uma empresa de mudanças, já gravou funks falando da vida de quem entrou para o crime, contou que a música foi apenas um desabafo. Publicada no Diário Gaúcho.

DG – Foi você que fez o funk?

Douglas – Fiz. Eu mesmo coloquei a batida e os efeitos. É tudo efeito. Eu levei uns 30 minutos para fazer aquela letra.

DG – E por quê?

Douglas – Fiz essa música porque ele (policial citado no funk) me abordou e me humilhou. Isso foi há um mês e meio. Ele me fez abaixar as calças e a cueca na frente de todo mundo. Eles revistaram um monte de gente em frente a um barzinho. Aí, ele pegou R$ 120 que eu tinha no bolso. O soldado 21 (apelido de outro PM) me liberou do paredão, e eu fui pedir o dinheiro para ele.

DG – E o que aconteceu?

Douglas – Ele disse que não iria me devolver e que não tinha mandado sair do paredão. Daí, ele me colocou na viatura e disse para minha mãe que iria me levar para a delegacia. Só que me levou ao Anfiteatro Pôr-do-Sol.

DG – E o que aconteceu lá?

Douglas – Ele disse que iria me matar. O soldado 21 estava com ele. Ele me obrigou a dizer que eu era traficante, que se eu não dissesse ele iria me enxertar.

DG – E depois?

Douglas – Ele queria que eu desse nome de traficantes. Mas eu não sei. Ele me levou no 1º BPM, e largou o 21. Aí, passou num ponto de tráfico. Ele acabou me deixando no posto da Brigada e disse: “não fala nada e segue”.

DG – Quanto tempo depois você fez esse funk?

Douglas – Faz duas semanas. Daí, eu coloquei no celular e comecei a espalhar. Alguém ia ter que me ouvir. Ele pega, entra na casa de trabalhador, esculacha as famílias. Daí, todo mundo fica quieto. Vai na corregedoria, falam dele, e a polícia abafa.

DG – Você registrou?

Douglas – Não, eu estava com medo. E eu nem quis. Eles estão falando agora que vão me matar.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

A CRIMINALIZAÇÃO DO FUNK EM PORTO ALEGRE - CAPITULO I




As investidas policiais contra o Mc DS, morador da Vila Cruzeiro aqui de Porto Alegre, em razão da autoria do funk "A Revolta da Favela" não se restringe a um fato isolado, a busca de criminalização das manifestações artisticas e culturais, ambientadas na periferia das grandes cidades brasileiras, infelizmente, já tem uma longa história.

Em agosto do ano passado o jornal “O Dia” do Rio de Janeiro publicou uma matéria sobre uma operação policial ocorrida no dia anterior em três comunidades de Costa Barros, com o título “Grafitte com afronta as autoridades”. O desenho da autoria do Coletivo de Hip Hop Lutarmada, traz a imagem de um jovem com touca ninja, sem camisa, descalço, com duas pistolas nas mãos e, ao lado a inscrição “Projeto Primeiro Emprego”.

A linguagem símbolo que singulariza mundialmente a arte de rua foi tratada pelo jornal como apologia do crime, sendo que o autor da reportagem em contato posterior teve o cinismo de afirmar que: “se o graffiti estivesse na praia de Copacabana seria entendido como uma denúncia, mas como foi numa comunidade violenta como o Quitanda, o graffiti funciona como apologia ao crime”.

O desejo desenfreado de amputar a linguagem, os símbolos, os rituais, ou seja, tudo aquilo que identifica um grupo social, conferindo-lhe visibilidade, identidade, memória, coesão e pertencimento, vem paulatinamente fazendo vítimas.

O relatório “Os muros nas favelas e o processo de criminalização”, assinados por inúmeros movimentos sociais e defensores do Direito Humanos aponta várias vítimas.

A primeira delas é o funk, o qual contraditoriamente ao sucesso obtido no cenário musical do país, ao conquistar importantes espaços na mídia e na indústria fonográfica, influenciando músicos ligados a múltiplos ritmos musicais e, seduzindo importante parcela da juventude, sofre crescentes perseguições. O ponto alto da perseguição implacável pode ser localizado no ano de 2008, com a aprovação da lei estadual nº 5265 , que buscava “disciplinar” a realização dos bailes funk.

De autoria do deputado Álvaro Lins, antigo chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, hoje cassado e preso acusado da prática de inúmeros ilícitos, a lei estadual vinculou a realização dos bailes aos órgãos estatais de Segurança Pública, estabelecendo uma série de exigências para a sua realização.

Considerados propulsores do consumo de drogas ilícitas e violentos por natureza, os bailes funk, foram condenados a fiscalização e ao controle por parte dos órgãos de segurança pública. Paralelamente à negativa do caráter cultural de tais eventos, as medidas instituídas pelas autoridades apostam no desaparecimento ou na vinculação das mesmas as grandes casas de espetáculos com grande arrecadação.

A identificação e associação dos bailes funk e do grafitti ao tráfico de drogas agrega somente mais uma dimensão à lógica das políticas de criminalização da pobreza.

Felizmente após inúmeras manifestações contra a repressão as formas de cultura popular, em 22 de setembro de 2009 foi revogada a lei 5265/08, entrando em vigor a lei 5543/09 que acaba reconhecendo o funk como “movimento cultural e musical de caráter popular”.

Obviamente, que o relatado aqui consiste em somente um capítulo dessa história.

Transpondo os anseios criminalizantes para os pagos gaúchos, na madrugada de sexta feira assistimos a absurda operação comandada pela Brigada Militar, que se utilizando de um efetivo de 50 homens, e com o auxílio de helicóptero, invadiram a Vila Cruzeiro para identificar o autor e intérprete da música, que conforme declarações dos comandantes "instigam a comunidade contras forças policiais".  


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

MARCOS ROLIM - LOUCURA AMERICANA




Os Estados Unidos têm, sabidamente, as leis penais mais rigorosas. A pena de morte ainda vigora na maioria dos estados; a prisão perpétua é comum e vários estados adotam a lei dos “three strikes” que obriga a prisão perpétua na terceira condenação, ainda que por crimes de menor gravidade (dois furtos e um cheque sem fundos, por exemplo).

Em 30 anos, os EUA aumentaram 10 vezes sua população prisional - de 200 mil para mais de 2 milhões de presos – produzindo a maior taxa de encarceramento do mundo. Essa escalada se deve, basicamente, ao agravamento das penas na chamada “guerra contra as drogas”. Na Califórnia, berço da three strikes, 25% da população prisional está hoje condenada por essa lei. 70% dos condenados por ela não cometeram crimes com violência, e, mesmo assim, irão morrer na cadeia. Os políticos oportunistas disputam quem é mais “tough on crime” (duro com o crime), o que levou à introdução de regras como a que exige o cumprimento de pelo menos 85% da pena imposta (“truth in sentencing”), ou seja, impede que o bom comportamento ajude o preso a deixar a cadeia antes de cumprir quase integralmente a pena. 75% dos presos afetados por esta regra foram condenados por crimes praticados sem violência.
Julita Lemgruber, pesquisadora da Universidade Cândido Mendes, lembra que os negros são apenas 12% da população nos EUA, mas são 50% dos condenados à prisão. Três em cada dez meninos negros serão encarcerados alguma vez na vida e, atualmente, um em cada três jovens negros está sob a supervisão da Justiça Criminal: preso, sob livramento condicional ou em liberdade vigiada. Para os jovens brancos, essa relação é de um em cada 16. 25% da população negra de alguns estados não podem votar. Explica-se: nos EUA, alguém que já cumpriu pena por qualquer crime intencional (felony), mesmo que sejam crimes sem violência ou de pequeno valor, perde para sempre o direito de voto.
Manter um preso nos Estados Unidos custa mais caro do que manter um aluno em Harvard. A Califórnia e a Flórida gastam mais em prisões do que em ensino superior e vários estados têm orçamentos superiores a US$ 1 bilhão para o sistema penitenciário. Nos últimos anos, as taxas norteamericanas de encarceramento têm sido, em média, seis vezes maiores que as da Europa Ocidental e, mesmo assim, a taxa de homicídios nos EUA, é duas a quatro vezes mais alta. Ou seja, o contribuinte americano tem de custear uma população carcerária muitas vezes maior e vive em cidades muito menos seguras se comparadas com as cidades européias.
Esta semana, matéria da revista The Economist destacou o tema da histeria punitiva nos EUA, exigindo uma mudança de rumo, mas no Brasil, ainda se tem a loucura penal americana como um modelo. Entre os candidatos a presidência, apenas Marina abordou o tema, assumindo o compromisso de reduzir a demanda por encarceramento e humanizar as prisões. Muitos talvez não saibam o que isso significa, mas todos deveriam saber exatamente o que significa o silêncio dos demais.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"O FILÓSOFO MASCARADO" - MICHEL FOUCAULT


A ENTREVISTA DE FOUCAULT PARA O SUPLEMENTO DOMINICAL DE "LE MONDE", EM 1980, INTITULADA "O FILÓSOFO MASCARADO" OCORREU SOB UMA CONDIÇÃO EXCEPCIONAL, SUA EXIGÊNCIA DE QUE A PERMANECESSE ANÔNIMA, OU SEJA, OS LEITORES NÃO DEVERIAM TER CONDIÇÕES DE IDENTIFICÁ-LO.
O TEXTO É BRILHANTE PARA O DEBATE ACERCA DOS DISCURSOS, DA AUTORIDADE E LEGITIMIDADE DA FALA,  DE QUEM FALA E, PARA QUEM FALA.
LEIAM UM TRECHO, MUITO BOM:

"É INCRIVEL QUANTO AS PESSOAS GOSTAM DE JULGAR. JULGA-SE EM TODO LUGAR, CONTINUAMENTE. PROVAVELMENTE, PARA A HUMANIDADE, É UMA DAS COISAS MAIS SIMPLES A FAZER. MAS VOCÊ SABE QUE O ÚLTIMO HOMEM, QUANDO A ÚLTIMA RADIAÇÃO HOUVER REDUZIDO O ÚLTIMO ADVERSÁRIO A CINZAS, TOMARÁ UMA MESA MAL AJEITADA, SE SENTARÁ E COMEÇARÁ O PROCESSO CONTRA O RESPONSÁVEL".
"A CURIOSIDADE FOI UM VÍCIO ESTIGMATIZADO SUCESSIVAMENTE PELO CRISTIANISMO, PELA FILOSOFIA E ATÉ POR UMA CERTA CONCEPÇÃO DA CIÊNCIA. CURIOSIDADE, FUTILIDADE. MESMO ASSIM, A PALAVRA ME AGRADA. SUGERE-ME ALGO BEM DIFERENTE: EVOCA A "CUIDADO", A ATENÇÃO QUE SE PRESTA AO QUE EXISTE OU PODERIA EXISTIR; UM SENTIDO AGUDO DO REAL, QUE, PORÉM, NUNCA SE IMOBILIZA DIANTE DISSO; UMA PRONTIDÃO EM JULGAR ESTRANHO E SINGULAR AQUILO QUE NOS CIRCUNDA; UMA CERTA OBSTINAÇÃO EM DESFAZER-SE DO QUE É FAMILIAR E EM OLHAR AS MESMAS COISAS DE FORMA DIFERENTE; UM ARDOR EM COLHER O QUE ACONTECE E AQUILO QUE PASSA; UMA DESENVOLTURA COM RELAÇÃO ÀS HIERARQUIAS TRADICIONAIS ENTRE O QUE É IMPORTANTE E O QUE É ESSENCIAL".