terça-feira, 24 de agosto de 2010

A CRIMINALIZAÇÃO DO FUNK EM PORTO ALEGRE - CAPITULO I




As investidas policiais contra o Mc DS, morador da Vila Cruzeiro aqui de Porto Alegre, em razão da autoria do funk "A Revolta da Favela" não se restringe a um fato isolado, a busca de criminalização das manifestações artisticas e culturais, ambientadas na periferia das grandes cidades brasileiras, infelizmente, já tem uma longa história.

Em agosto do ano passado o jornal “O Dia” do Rio de Janeiro publicou uma matéria sobre uma operação policial ocorrida no dia anterior em três comunidades de Costa Barros, com o título “Grafitte com afronta as autoridades”. O desenho da autoria do Coletivo de Hip Hop Lutarmada, traz a imagem de um jovem com touca ninja, sem camisa, descalço, com duas pistolas nas mãos e, ao lado a inscrição “Projeto Primeiro Emprego”.

A linguagem símbolo que singulariza mundialmente a arte de rua foi tratada pelo jornal como apologia do crime, sendo que o autor da reportagem em contato posterior teve o cinismo de afirmar que: “se o graffiti estivesse na praia de Copacabana seria entendido como uma denúncia, mas como foi numa comunidade violenta como o Quitanda, o graffiti funciona como apologia ao crime”.

O desejo desenfreado de amputar a linguagem, os símbolos, os rituais, ou seja, tudo aquilo que identifica um grupo social, conferindo-lhe visibilidade, identidade, memória, coesão e pertencimento, vem paulatinamente fazendo vítimas.

O relatório “Os muros nas favelas e o processo de criminalização”, assinados por inúmeros movimentos sociais e defensores do Direito Humanos aponta várias vítimas.

A primeira delas é o funk, o qual contraditoriamente ao sucesso obtido no cenário musical do país, ao conquistar importantes espaços na mídia e na indústria fonográfica, influenciando músicos ligados a múltiplos ritmos musicais e, seduzindo importante parcela da juventude, sofre crescentes perseguições. O ponto alto da perseguição implacável pode ser localizado no ano de 2008, com a aprovação da lei estadual nº 5265 , que buscava “disciplinar” a realização dos bailes funk.

De autoria do deputado Álvaro Lins, antigo chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, hoje cassado e preso acusado da prática de inúmeros ilícitos, a lei estadual vinculou a realização dos bailes aos órgãos estatais de Segurança Pública, estabelecendo uma série de exigências para a sua realização.

Considerados propulsores do consumo de drogas ilícitas e violentos por natureza, os bailes funk, foram condenados a fiscalização e ao controle por parte dos órgãos de segurança pública. Paralelamente à negativa do caráter cultural de tais eventos, as medidas instituídas pelas autoridades apostam no desaparecimento ou na vinculação das mesmas as grandes casas de espetáculos com grande arrecadação.

A identificação e associação dos bailes funk e do grafitti ao tráfico de drogas agrega somente mais uma dimensão à lógica das políticas de criminalização da pobreza.

Felizmente após inúmeras manifestações contra a repressão as formas de cultura popular, em 22 de setembro de 2009 foi revogada a lei 5265/08, entrando em vigor a lei 5543/09 que acaba reconhecendo o funk como “movimento cultural e musical de caráter popular”.

Obviamente, que o relatado aqui consiste em somente um capítulo dessa história.

Transpondo os anseios criminalizantes para os pagos gaúchos, na madrugada de sexta feira assistimos a absurda operação comandada pela Brigada Militar, que se utilizando de um efetivo de 50 homens, e com o auxílio de helicóptero, invadiram a Vila Cruzeiro para identificar o autor e intérprete da música, que conforme declarações dos comandantes "instigam a comunidade contras forças policiais".  


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